TRÊS FORMAS DE CANTAR A PÁTRIA | PARTE III
A Portuguesa
Tem sido entendimento consensual da historiografia portuguesa explicar a génese do atual hino nacional – A Portuguesa – como ato de manifesto ao Ultimatum inglês de 11 de janeiro de 1890. Há verdade neste entendimento, porquanto a criação do mencionado hino, datando de 12 de janeiro de 1890, sobrevém no âmago de uma forte reação popular, de pendor nacionalista, despertando os interesses da Pátria como um valor coletivo. Não obstante, podendo ser esta a explicação histórico-política a si inerente, na realidade, os factos mostraram-se verdadeiramente peculiares e espontâneos.
Atentando nos relatos coevos – em especial, no periódico O Ocidente, de 21 de março de 1890 – julgamos ser possível reconstruir a sua história com considerável fidedignidade. Considerando o aludido texto informativo, tudo se houvera reconduzido à noite de 12 de janeiro de 1890. Por certo, inspirados pelos brados patrióticos que ressoavam nas ruas lisboetas, o oficial de Marinha e poeta Henriques Lopes de Mendonça , juntamente com o compositor Alfredo Keil, no compasso de espera que mediara a sobremesa e o café de um jantar de amigos onde, entre outros, haviam figurado como comensais, em jeito de improviso, conceberam este canto nacional e patriótico
“cujas notas nos recordam as canções e os hinos mais portugueses, a poesia que ao som dessa música se canta não é menos patriótica e levantada, porque nas suas estrofes se recordam as nossas glórias passadas, como as de um povo de navegadores audaciosos e de guerreiros vitoriosos, que não deve esquecer o passado para que lhe seja estímulo no presente” .
Fora tal o entusiasmo que, de imediato, se decidira, por expensas próprias, proceder à edição deste novel canto nacional para que se propagasse “como protesto á affronta feita a Portugal por Inglaterra” . Assim sucedeu, com uma primeira tiragem de 12.000 exemplares distribuídos, gratuitamente, pela capital do Reino.
Não obstante a sua aceitação, o sucesso do hino não foi, de todo, imediato. Em rigor, as primeiras manifestações contra o Ultimato ocorreram ao som do Hino da Restauração e do Hino da Carta que estava vigente. Assim, o hino que havia sido concebido para unir os portugueses em torno de um sentimento comum não só acabara por ser desconsiderado pelos monárquicos como também fora proibida a sua execução em atos oficiais ou solenes.
A semente havia caído em boa terra, mas necessário seria esperar para que se pudessem colher bons frutos. Neste sentido, no âmbito da Implantação da República, A Portuguesa – ressurgida, espontaneamente, na voz do Povo – e a Bandeira Nacional acabaram por figurar como o motor da transformação de um novo país.
Vigorando como símbolo nacional, de facto, desde 5 de outubro de 1910, de iure, apenas o viera a ser a partir de 19 de junho de 1911, por via da sua aprovação, enquanto tal, na Assembleia Constituinte.
Divulgado e conhecido por todo o país ao longo dos anos subsequentes, mormente por via da oralidade, o Hino Nacional rapidamente conheceu múltiplas variantes interpretativas. Para obstar a tais consequências nefastas, em 1956, o poder executivo nomeou uma comissão de especialistas para que se estudasse e fixasse uma versão oficial de A Portuguesa. Depois de alguns meses de trabalho, através da resolução do Conselho de Ministros, publicada no Diário do Governo, 1ª série, nº 199, de 4-9-1957, foi aprovada na sua atual versão.
Reiterada na Constituição de 1976, no n.º 2 do seu artigo 11.º, como um dos símbolos nacionais, A Portuguesa é executada, oficialmente, em cerimónias nacionais, civis e militares, onde se presta homenagem à Pátria, à Bandeira Nacional ou ao Presidente da República.