Faz hoje 120 anos que os Cruzadores S. Gabriel e S. Rafael, que tiveram o início da sua construção em 1898 e foram entregues a Portugal em estado de completo armamento a 10 de setembro de 1900, entraram no Tejo.
No primeiro quartel do século XIX a grande revolução estimulada pelo emprego do vapor na propulsão, e do ferro na construção dos navios, alterou radicalmente os meios e os métodos de combate. As fragatas sofreram alterações neste sentido, adquirindo características mistas, ou seja, navegar à vela e vapor. As fragatas, pela sua grande velocidade e bom armamento, eram ideais para missões de escolta e proteção. Mais tarde, surgiram os primeiros cruzadores de ferro. Os cruzadores, no contexto de guerra, encarregavam-se do reconhecimento e apoio direto de uma esquadra. Com o passar do tempo passaram a responder a situações mais diversificadas para além do seu papel clássico no contexto de guerra.
Inserido no programa de modernização da Armada, protagonizado pelo ministro da marinha Jacinto Cândido, foram encomendados novos navios que procuravam responder às necessidades lusas no mar. A carta de lei de 21 de maio de 1896 autorizava o Governo à aquisição de 5 navios: os Cruzadores S. Gabriel, S. Rafael, D. Carlos e Rainha D. Amélia, e o Rebocador de alto-mar Bérrio. Estes dois primeiros foram construídos pela Société Anonyme de Forges et Chantiers de la Mediterranée, em Le Havre, França, e coube ao Capitão-de-Fragata Manuel de Azevedo Gomes vigiar a sua construção. O S. Gabriel esteve no ativo de 1898 a 1925 e o S. Rafael de 1898 a 1911, tiveram respetivamente 30 e 12 comandantes.
O S. Gabriel e o S. Rafael tinham características muito semelhantes, nomeadamente a nível de motores, tendo duas máquinas de tríplice expansão, verticais, que viabilizavam os 15 nós de velocidade máxima. A potência indicada era de 3000 cavalos-vapor, o fundo dos navios era forrado de madeira e cobre, o casco era de aço e o convés couraçado. Foram os primeiros navios portugueses a usufruírem de recursos tecnológicos de comunicações de radiofusão T.S.F. — Telegrafia Sem Fios.
Estes navios realizaram inúmeras missões por todo o mundo, especialmente no contexto ultramarino do Índico, e participaram também em diversas visitas diplomáticas e correspondentes cerimónias de honra. O S. Gabriel, entre 11 de dezembro de 1909 e 20 de abril de 1911, realizou uma viagem de circum-navegação, de orientação oeste para este. Esta viagem demorou 16 meses e 8 dias, foram percorridas 41 981 milhas e gastaram-se 174 556 817 réis, bem como 45 748 toneladas de carvão. O comandante Pinto Basto publicou, em 1912, um livro da viagem a que deu o título Cruzador S. Gabriel — obra esta reeditada em 2018 pela Academia de Marinha. É igualmente pertinente referir que na BCM-AH, localizado na Cordoaria Nacional, podem ser vistos alguns dos testemunhos de participantes desta viagem de circum-navegação na exposição “Um olhar sobre o mundo: a Marinha e o seu contributo na partilha do Património”.