Faz hoje 110 anos que foi proclamada a República em Portugal.
A segunda metade do século XIX manifestou-se, em Portugal, como um período vinculado ao republicanismo e à sua expressão dentro das camadas populares. A conjuntura política, diplomática, social, económica e mesmo a nível das mentalidades culminou num partido republicano que pretendia implementar um projeto de linhas liberais e democráticas, mesmo que por via revolucionária. Existia como objetivo claro, pôr fim ao poder caracteristicamente oligárquico e plutocrático que vigorava.
O Congresso Republicano de 1909 imprimiu as bases de uma nova organização política, esta que visava projetar uma coordenação mais eficaz entre civis e militares, que tinha o propósito explícito da via revolucionária para a tomada do poder. Deste congresso nasce, efetivamente, uma orgânica articulada: um Diretório, uma Junta Consultiva, uma Junta Administrativa, um Comité Militar — liderado pelo Almirante Cândido dos Reis — e um Comité Civil.
Num período em que a identidade e a memória nacional estavam na ordem do dia — reflexo da reação patriótica ao Ultimato Inglês de 1890 —, a Marinha era vista perante o imaginário popular como um motor de regeneração de Portugal como nação marítima. De facto, é precisamente dentro da marinha que observamos uma rede conspirativa a partir da qual se aliciavam praças, sargentos, e oficiais de baixa patente.
O movimento começou no dia 4 de outubro de 1910, por meio naval, com a tomada do cruzador Adamastor, pelo tenente Mendes Cabeçadas Júnior, que pelas 00h45 anunciou o início da revolução com 3 tiros de salva. Por terra, o movimento começou com o assalto, e aliciamento, do Quartel de Infantaria N.º 16 (Campo de Ourique), missão executada por um grupo chefiado por Machado Santos. O Primeiro-Tenente Ladislau Pereira liderou o assalto ao Quartel dos Marinheiros de Alcântara, apoiado pelo Tenente Sousa Dias e pelos comissários Navais Costa Gomes e Guilherme Rodrigues. Cumprido o plano estabelecido, as forças revolucionarias marcharam para oeste com destino à Rua da Costa a fim de assaltar o Palácio Real das Necessidades, no entanto, a Guarda-Municipal já estava mobilizada para defender a causa real. Machado Santos e a sua hoste ocuparam então a Rotunda — hoje a rotunda do Marquês de Pombal — que passou a ser o quartel-general da Revolução, sendo que o Quartel de Marinheiros de Alcântara se tornou a base logística.
Novamente num contexto naval, a guarnição do Cruzador S. Rafael também se revoltara. No escuro da madrugada, correspondia aos tiros do Adamastor o Primeiro Artilheiro José de Carvalho, líder a bordo, e tomava o navio. Mais tarde o Tenente Tito Morais ocupou o comando. O cruzador D. Carlos I apenas após alguma resistência é que passou para o lado republicano, a comando do Segundo-Tenente Silva Araújo.
A esquadra articulada mobilizou-se para frente do Quartel de Marinheiros de Alcântara e disparou mais de quarenta granadas sobre o palácio das Necessidades, que atingiram a cornija da capela das Necessidades e o próprio quarto de D. Manuel II. Este bombardeamento determinou a retirada do rei em direção a Mafra, o que lançou a desordem nas forças que defendiam a Coroa.
Durante o dia 4 e 5 seguem-se momentos de impasse, avanços e recuos, tensão e emoção, que culminaram com o xeque-mate final à Monarquia quando é hasteada a bandeira com as cores republicanas na varanda da Câmara Municipal de Lisboa e proclamada a República pelas 11h00 do dia 5 de outubro de 1910.