27 de Abril de 1521. 27 de Abril de 2021.
Passam hoje 500 anos sobre a morte de Fernão de Magalhães.
Passam hoje 500 anos sobre o nascimento da lenda “Fernão de Magalhães”. Aliás, duas lendas: a de Magalhães e a do homem que o matou, Lapu-Lapu.
Resumidamente, depois da chegada às ilhas de São Lázaro (actuais Filipinas) ao fim de 19 duros meses de viagem, e da conversão do rei de Cebu, que no seu baptismo adoptou o nome de Carlos, foi entendimento de Magalhães que todos os monarcas das restantes ilhas deveriam prestar vassalagem a este monarca, agora rei católico, e que havia prestado vassalagem a Carlos I, rei de Castela.
Assim não o entendeu Lapu-Lapu, que governava a pequena ilha de Mactan, separada de Cebu por um estreito canal.
Para Magalhães, não prestar preitos ao rei de Cebu era como não o fazer ao rei de Castela, e isso não poderia acontecer. Assim sendo, decidiu-se “castigar-lhe a desobediência”.
Na manhã do dia 27 de Abril, e antes do nascer do sol, enviou um emissário a Lapu-Lapu (ou Cilapulapu no dizer de Queiroz Velloso, biógrafo de Magalhães), pedindo-lhe que pagasse o tributo requerido ao rei de Cebu ou seria castigado. Recusando-se, Magalhães decidiu atacar.
Apesar dos apelos a que não o fizesse, tanto por parte dos seus companheiros como do próprio rei de Cebu, Magalhães decidiu atacar.
Mas o local escolhido não era adequado para um desembarque na praia. Tiveram de o fazer afastados, tendo a água pelas coxas, e a grande distância da praia. Ficando desprotegidos, a cobertura das armas de fogo não era a mais adequada, ficando à mercê dos projécteis que os habitantes locais iam arremessando. Numericamente, também a desproporção de forças era muito grande.
Sobre a morte de Magalhães, transcrevo esse momento dos relatos de testemunhas que chegaram até nós. Mas antes, um pequeno enquadramento. Chegaram aos nossos dias os relatos de seis participantes na viagem: Antonio Pigaffetta, um piloto genovês, um anónimo, Martinho de Aiamonte, Gines de Mafra e Francisco Albo (este último não refere a morte de Magalhães). Para as transcrições, utilizei a primeira edição (1986) do livro organizado, prefaciado e anotado por Neves Águas Fernão de Magalhães. A primeira viagem à volta do Mundo contada pelos que nela participaram e editado pelas Publicações Europa-América.
Assim é descrita a morte de Magalhães, em cinco relatos, nem sempre coincidentes:
Por António Pigaffetta:
“Como conheciam o nosso capitão, principalmente contra ele dirigiram os ataques, e por duas vezes lhe derrubaram o capacete. Apesar disso, este manteve-se firme, enquanto, rodeando-o em pequeno número, combatíamos. Durou o desigual combate quase uma hora. Por fim, um insular conseguiu ferir, com a ponta de uma lança, a testa do capitão, o qual, furioso, o atravessou com a sua, deixando-lha encravada no corpo. Quis então tirar a espada, mas não o pode fazer por estar gravemente ferido no braço direito. Deram-se conta disso os indígenas e lançaram-se todos sobre ele; um deles, descarregando-lhe uma lançada na perna esquerda, fê-lo cair de bruços, arrojando-se então sobre ele. Assim morreu o nosso guia, a nossa luz e o nosso conforto.”
Pelo Piloto genovês:
“(…) mandou Fernão de Magalhães aparelhar três batéis com obra de cinquenta ou sessenta homens, e foi sobre o dito, que foram a 28 dias de Abril pela manhã, donde acharam muita gente, que seriam bem três mil ou quatro mil homens, que pelejaram de tão boa mente que ali foi morto o dito Fernão de Magalhães com seis homens dos seus, na era de 1521 anos (…).” Como se pode verificar, ele considera que o recontro ocorreu no dia seguinte ao normalmente aceite."
Pelo Anónimo
“(…) [Magalhães] determinou de sair em terra com alguma gente armada e fazer salto nas suas terras, como de feito saiu com sessenta homens de arcabuzes, e começou a queimar casas e cortar palmares. A isto acudiu el-rei com muita gente da terra por lho defenderem, e travaram com eles peleja, mas enquanto durou pólvora aos nossos não ousavam os da terra chegar a eles. Porém, depois que lhes faltou, cercaram-nos de tôdalas partes, e como eram muitos sem comparação, prevaleceram, e os nossos não se puderam defender nem fugir, e pelejando até que se cansaram, morreram alguns, e com eles Fernão de Magalhães (…)”
Por Martinho de Aiamonte:
“(…) e este rei de Cebu pediu a Fernão de Magalhães que lhe fizesse obedecer aquela outra ilha de Matan, e Fernão de Magalhães foi pelejar duas vezes com ela. E tornando lá outra vez, os outros armaram grandes cousas, e em saindo Fernão de Magalhães e os seus, veio muita gente sobre eles, e vindo-se recolhendo ao mar caíram nas covas alguns, e todos mataram, que seriam obra de vinte homens, em que mataram também Fernão de Magalhães (…)”
Por Gines de Mafra:
“Em amanhecendo, Magalhães desembarcou com trinta e quatro homens, entre eles treze arcabuzeiros, deixando seis de guarda aos batéis. Contra sua vontade também, saiu a terra o senhor de Cubu com a sua gente, só para observar, sendo muito recomendado por Magalhães que não combatesse e que a sua gente usasse algum sinal para ser conhecida. A praia onde desembarcaram era muito baixa, pelo que deixaram os batéis longe. Chegados a terra, viram uma povoação grande situada num palmar, não aparecendo ninguém. Magalhães mandou que se queimasse uma casa. Quando o iam fazer, da casa, onde estavam escondidos, saíram cerca de cinquenta homens com alfanges e escudos e atacaram os nossos a golpes de espada. Estando assim em luta, um daqueles bárbaros deu um golpe de alfange num músculo dum galego, cortando-o completamente, de que morreu logo. Os nossos, para o vingar, carregaram sobre o inimigo, pondo-o em fuga. Indo em sua perseguição, saíram de uma rua ao lado dos nossos alguns indígenas, parecendo que estavam ali emboscados para isso, e, com altos gritos, deram aos nossos e começaram a matá-los. Magalhães já estava ferido em muitas partes do rosto e das pernas e, no entanto, embora lhe pedissem que mandassem aos de Cubu que combatessem, não o quis fazer, até que, animando a sua gente, perdeu tanto sangue que caiu morto.”
27 de Abril. Há 500 anos, Fernão de Magalhães morre “do outro lado do mundo”.
Alexandre Ribeiro Cartaxo
Capitão-de-mar-e-guerra
Nota: O autor não escreve ao abrigo do novo acordo ortográfico.